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Patricia Lages

Análise: Veja lá como fala! Estamos em uma ditadura do Judiciário?

Tribunal Superior Eleitoral cria lista com palavras e expressões a serem banidas da língua portuguesa: 'expressões racistas'

Patricia Lages|Do R7

TSE deve se envolver em discussões sobre racismo?
TSE deve se envolver em discussões sobre racismo?

Segundo o Portal do Tribunal Superior Eleitoral, a função do TSE é “cuidar da organização do processo eleitoral”, o que inclui “alistamento eleitoral, votação, apuração dos votos, diplomação dos eleitos etc.

Para que essa função seja cumprida, as cinco competências do TSE, ainda de acordo com o portal do próprio tribunal, são:

• processar e julgar o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus diretórios nacionais e de candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República;

• julgar recurso especial e recurso ordinário interpostos contra decisões dos tribunais regionais;


• aprovar a divisão dos estados em zonas eleitorais ou a criação de novas zonas;

• requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos tribunais regionais que a solicitarem, e para garantir a votação e a apuração;


• tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral.

Ou seja, todas as atribuições do TSE estão ligadas ao processo eleitoral em si, não constando em nenhuma de suas funções a proibição do uso de palavras e expressões da língua portuguesa nem mesmo a sugestão de que sejam substituídas ou evitadas.


Porém, em 30 de novembro, durante o Encontro da Democracia e Consciência Antirracista na Justiça Eleitoral, o TSE anunciou a disponibilização da cartilha "Expressões racistas: por que evitá-las", em sua biblioteca virtual. O material afirma trazer “termos de cunho racista” com explicações didáticas sobre “o motivo para serem assim entendidos” e convida o leitor a contribuir para ampliar a lista: “Se você conhece outros vocábulos e acredita que devam fazer parte desta publicação, envie sua sugestão”.

A questão é que, além de não ser essa uma atribuição do TSE, incentivar a população a encaminhar palavras que “acredita que devam fazer parte” da lista de termos a serem banidos é dar início a uma espécie de caça às bruxas sem fundamento algum. A etimologia das palavras não está ligada ao que as pessoas acreditam, mas sim ao que elas significam de fato.

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Se, por um lado, a obra afirma que as 40 expressões são racistas, por outro, traz referências contrárias, citando historiadores e dicionários que declaram outros significados. O termo “mulata”, por exemplo, refere-se a “pessoa mestiça de branca e negro” (Lopes 2014) e nada teria a ver com “preconceito ao estimular o clareamento da pessoa negra e pretender afastar a negritude do conceito de beleza”, como o material afirma. São suposições sem consenso, mas que suscitam a dúvida e geram insegurança durante a comunicação. É, como diria minha avó, “procurar chifre em cabeça de cavalo”, pois a cartilha parece forçar as pessoas a enxergar coisas onde não existem.

A expressão “feito nas coxas” é outro exemplo de controvérsia, pois o material diz que “uma das proposições mais repetidas dá conta de que a expressão repetiria o hábito colonial de produção de telhas moldadas nas coxas de pessoas escravizadas, trabalho realizado por produtividade e, por isso, mecânico e sem muito zelo pela uniformidade das telhas criadas”.

Dizer que algo é repetido ou amplamente difundido como base verídica não é um argumento aceitável. Além do que, a própria Agência Lupa, que se autodenomina “checadora de fatos”, voltou atrás ao afirmar que “feito nas coxas” é um termo racista, corrigindo a informação de que “a origem da expressão é imprecisa” e citando o arquiteto José La Pastina Filho, que contestou a teoria em 2006, com um simples cálculo que considerava que as telhas coloniais brasileiras tinham de 45 cm a 80 cm de comprimento e que as medidas das coxas de um homem de 1,80 m de altura, por exemplo, não seriam compatíveis com o tamanho das peças.

“Sem maiores preocupações com aspectos de anatomia humana, se estabelecermos uma simples regra de três, poderemos verificar que, para fabricar uma telha de 77 cm, precisaríamos contar com um escravo de 3,95 m de altura”, afirmou La Pastina.

A palavra “escravo” é outro alvo da patrulha judiciária do idioma e aparece na cartilha desta forma: “Especialistas afirmam que os termos escrava e escravo passam a ideia de que a pessoa já nasceu sem liberdade, como algo inato à sua condição, ignorando o fato de que as africanas e os africanos foram trazidos(as) ao Brasil e forçados(as) a trabalhar nessa condição. Nesse sentido, a palavra mais adequada para designar essa condição seria “escravizado(a)”.

Se seguirmos esse raciocínio, teríamos que abolir uma lista interminável de termos, afinal de contas, “pobre” também significaria que a pessoa já nasceu sem dinheiro, como algo inato à sua condição, ignorando o fato de que ninguém é pobre por escolha própria. Teríamos que passar a dizer “empobrecido”? E quanto aos doentes? Seriam “adoecidos”? Nem mesmo a palavra “esclarecer”, que nada tem a ver com cor de pele, saiu ilesa.

Simplesmente não há como ver esse tipo de coisa sem associar à obra distópica 1984, de George Orwell, na qual o Estado, por meio de seu “Ministério da Verdade”, controlava a fala introduzindo a “novafala” ou “novilíngua”, com o único objetivo de controlar o pensamento da população.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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